sábado, 19 de novembro de 2011

Dostoievski, O Gênio

Sobre pessoas ordinárias, comuns:

“De fato, não existe nada mais deplorável do que, por exemplo, ser rico, de boa família, de boa aparência, de instrução regular, não tolo, até bom, e ao mesmo tempo não ter nenhum talento, nenhuma peculiaridade, inclusive nenhuma esquisitice, nenhuma idéia própria, ser terminantemente “como todo mundo”.
Tem riqueza, mas não do tipo Rothschild; a família é honesta, mas nunca se distinguiu por nada; aparência boa, mas muito pouco expressiva; boa instrução, mas não sabe como empregá-la; tem inteligência, mas sem idéias próprias; tem coração, mas sem magnanimidade etc. etc. em todos os sentidos.
No mundo existe uma infinidade extraordinária de pessoas assim e até bem mais do que parece; como todas as pessoas, elas se dividem em duas categorias principais: umas limitadas, outras “bem mais inteligentes”. As primeiras são mais felizes. Para um homem “comum” limitado, por exemplo, não há nada mais fácil do que se imaginar um homem incomum e original e deliciar-se com isso sem quaisquer vacilações. Bastaria a algumas das nossas senhorinhas cortar os cabelos, pôr óculos azuis e chamar-se de niilistas para se convencerem imediatamente de que, de óculos, elas passariam imediatamente a ter suas próprias “convicções”. A um bastaria apenas sentir no coração um pinguinho de algo derivado de alguma sensação humana e boa para logo se convencer de que ninguém sente como ele, de que ele é avançado em seu desenvolvimento. A outro bastaria adotar em palavra algum pensamento ou ler uma paginazinha de alguma coisa sem princípio nem fim para acreditar imediatamente que esses “são seus próprios pensamentos” e brotaram do seu próprio cérebro. [...]
[...] categoria de pessoas “bem mais inteligentes”... é bem mais infeliz do que a primeira. O problema do homem “comum” inteligente, ainda do que de passagem (e talvez até durante toda a sua vida) tenha se imaginado um homem genial e originalíssimo, mesmo assim conserva em seu coração o vermezinho da dúvida, que chega a tal ponto que o homem inteligente às vezes termina em absoluto desespero; se fica resignado, já o faz totalmente envenenado pela vaidade interiorizada. Pensando bem, quando mais não seja tomamos um extremo: na imensa maioria dessa categoria inteligente de pessoas, a coisa não se dá de maneira tão trágica; ao término dos anos estraga-se mais ou menos o fígado, e é só. [...]”

Não sei quantas vezes li e reli o melhor trecho de "O Idiota".